segunda-feira, março 29, 2004

 
Um filosofo louco é mais perigoso que um poeta louco, um poeta com sifilis é muito mais perigoso que um filosofo louco e com sifilis.

Sexta-feira ainda tive tempo para ver um documentario sobre a sifilis (como adivinharam?), liguei exactamente na altura em que mostravam o exército francês que se perdia numa orgia sem fim pelas ruas de Napoles. Melhor nem falar da minha ligação com essa cidade, deveras apaixonante, até porque é apenas relevante na medida em que foi dela que a doença veio importada para o resto da Europa. O documentario seguiu falando de Nietzsche e de Heinrich Heine, dai o aforismo do titulo. Ou foi no sabado?

Não, não! Sabado foi dia de arrumações e de me decidir a ir até à Maroquinerie em Menilmontant para ver se arranjava bilhetes para Shellac. O senhor foi muito simpatico e disse-me delicadamente que estava completo, eu sorri-lhe e disse que me ia matar. Tudo isto dito em francês soou muito mais divertido, ou pelo menos foi o que pareceu à minha pobre e perdida cabeça lusitana. Demorei uma hora para encontrar o sitio e posso dizer que fiquei a a conhecer o bairro como a palma da minha mão, sobretudo se a minha mão estiver muito suja, mal encarada e com um post-it para me lembrar de comprar manteiga escrito em arabe.

Domingo foi mais um dia muito estupido: o computador do JM pifou (eu não consegui deixar de me sentir mal visto que o uso bastante, embora saiba que com muito mais cuidado que ele), veio amigo técnico, namorada do amigo técnico que opinava sobre tudo (como aquela devassa da namorada do JM que, para além de gemer para que toda a gente naquela casa oiça, insiste em puxar o string modelo natalicio até ao umbigo e baixar as calças até não poder mais); os franceses foram votar outra vez, a esquerda ganhou em todos os departamentos menos na Alsacia-Lorena, fala-se que talvez os alemães a queiram de volta. OK, bad joke. A sala estava completamente vermelha quando cheguei a casa do Jacko, assim era a cor do mapa pintado pelas alianças de esquerda. La fora, o irmão dele ajudava um amigo anão a montar uma discoteca dentro do carro, o que para o anão não parecia constituir tarefa dificil uma vez que se enfiava facilmente na bagageira para montar as colunas.

Não posso dizer que não tenha aprendido nada este fim-de-semana, mas quer-me bem parecer que ja me esqueci de tudo.

p.s. hoje à noite ainda vou para a porta da Maroquinerie com o Jacko ver se arranjo bilhetes na candonga.

sexta-feira, março 26, 2004

 
"Dear Kitty, ontem fui às compras com a sra. Colher e não havia bilhetes para Shellac"

E porque hoje é sexta-feira, e não vejo sinais desta semana se materializar miraculosamente num capitulo frutuoso (e não "frutoso") e interessante da minha vida, vou-me brindar a mim e ao resto dos ausentes com mais um tão adequado pedaço de prosa insipida.

Este preâmbulo apenas reflecte o meu actual estado de confusão, de não saber muito bem o que é que ando "aqui" a fazer e para que serve esta macacada toda. Pensei que começar um blog seria uma boa ideia para ajudar a focar a minha energia em qualquer coisa e sobretudo para voltar a escrever. Mas escrever sobre o quê? O que é afinal um blog? Pelo que me tem sido dar a conhecer pela comunidade cibernética é uma espécie de caderno de viagem onde se vão anotando os mais variados tipos de experiências de vida.

Tudo isso é, porém, bastante vago, uma vez que podem oscilar entre comentarios banais ou jocosos, actualidades sortidas, opiniões gerais sobre o mundo social, artigos politicos, ou então o mais comum dos diarios "intimos" (tipo "Dear Kitty, hoje comemos enlatados outra vez e não posso ir à coffee-shop por causa dos alemães"). Hesito em acrescentar o termo "pseudo" antes de cada uma das categorias que acabo de enumerar.

Tristemente acho que esta minha primeira semana se enquadra muito mais na ultima destas categorias, pelo que desde ja quero apresentar as minhas mais sinceras desculpas perante mim e os ausentes. A verdade é que neste momento não consigo encontrar absolutamente nada de relevante para colocar num blog senão as minhas proprias deambulações sobre o seu proposito (ou sobre o meu proposito). Quanto ao tipo de blog que se baseia na critica socio-politico-do meu bairro, confesso que esses assuntos cada vez menos me suscitam interesse e que raramente consigo olhar para fora de mim o tempo suficiente para conseguir pôr todas essas actualidades em perspectiva. Resumindo, o mundo actual não existe.

Para concluir, gostava apenas de acrescentar que não estou assim tão absorvido na minha pessoa que não consiga reagir àquilo que se passa la fora, e que esta pagina ainda se chama napalmnet. Estou é aborrecido e o teclado é que as paga.

quinta-feira, março 25, 2004

 
Le beurre des jours (A manteiga dos dias)

Faz hoje exactamente uma semana que senti o respirar da zeladora nas minhas costas. Agora ela ainda anda aqui pela sala mas não parece ligar-me tanto porque os alunos ocupam a maior parte dos postos e um professor que faz uma pesquisa ao meu lado atrai-lhe a atenção. Tanto melhor.

Esta semana não acrescentou muito à minha estadia no hexagono, até quase que se pode dizer o contrario. Trabalho de manhã, durmo à tarde (enfim uma novidade, com os DVDs do "Allo! Allo! que me embalam), como de vez em quando, fumo à noite. Cada um destes pontos é suficientemente futil para constar nos meus apontamentos, arrisco-me quase a dizer que até podiam ser motivo de desenvolvimento mas agora sinceramente não me apetece. Pronto, posso adiantar que tenho dormido vestido, que tenho ido buscar almoço ao Grego e que ando completamente obcecado com a ideia de deixar de fumar.

Sinceramente começo a esquecer-me das razões que me trouxeram aqui, ou melhor, não consigo perceber se fiz bem em ter vindo. Sentimento curioso porque foi precisamente essa certeza que me fez aguentar até ao dia de hoje mas não consigo deixar de pensar que certas "decisões" (minhas e ministerais) decidiram a minha vida durante estes sete meses. As condicionantes foram sobretudo de lugar (porque o facto de ser colocado na sub-periferia parisiense é sem duvida um espartilho, calhe onde calhar) mas também serão indiscutivelmente de companhia. E ter vindo sozinho foi uma decisão minha.

Bom, não se fala mais nisso. Começar um blog numa altura em que tenho tempo livre a mais não foi grande ideia, tenho tendência para me lamuriar e pôr tudo em causa - ainda mais. Estou a falar com o Vitor no Soulseek e isso faz-me lembrar que tenho saudades dos meus amigos com nomes "normais". E de fazer coisas com eles. Também sinto saudades do meu pai e da minha mãe, embora me pareça estranho dizer isso agora porque no fundo é a eles que não o digo (e estou sempre tão distante); hoje no caminho para o autocarro pensei nisso, estava um grau (positivo, viva o luxo) e o frio fazia-me chorar.

A Mafalda faz anos amanhã, tenho uma vontade enorme de estar com ela. Espero que isso seja possivel por alturas do meu aniversario mas tenho sempre medo que tudo corra mal de novo. Dentro de um mês tudo isto chega ao fim e eu vou estar de volta à minha casa sem saber o que fazer outra vez.

Foi o que eu pensei, não acabo com as lamechices.

terça-feira, março 23, 2004

 
What's he building in there?

Passada a crise existencial do fim-de-semana encontro-me de novo na deprimente sala dos computadores do Lycée Champlain, esse edificio cinzento e de corredores labirinticos. Acabei o meu dia de trabalho que consistiu em fazer os alunos crer que estavam a ser avaliados (mesmo quando eles sabem que a nota do professor é que conta e que o assistente serve apenas para distrair) e em deixa-los sair bastante antes da hora para poder entorpecer o meu cerebro com fumo ou computadores.

O dia de ontem foi inesperadamente interessante, tive um impulso que me fez sair de casa do Jacko antes de anoitecer e passar uma boa hora em experiências no meu quarto. Tomei banho, voltei a atravessar a rua para jantarmos e...supresa das surpresas...o Thomas pergunta-me se conheço o "jogo" do cadavre exquis (eu tento explicar-lhe que durante dois anos as minhas noites se passaram entre folhas amarrotadas de caderno, em grupos de escrita). Escrevemos a quatro, fiquei contente que aquilo que escrevi (triplamente: porque não me lembro da ultima vez que escrevi, porque não o estava a fazer na minha lingua, porque sim).

Depois disso tive algumas dificuldades em adormecer e hoje de manhã tinha as costas doridas (sem duvida devido às experimentações da tarde passada). Agora vou despachar-me para ir para casa porque realmente não estou a fazer nada aqui, mais vale ir não fazer nada num sitio mais discreto. Pode ser que adiante trabalho na minha correspondência burocratica (burrocratica). "He has no friends...but he gets a lot of mail. (I bet he spent a little time in jail)". E hoje à noite joga o Porto com o Lyon, vai ter muito mais graça vê-lo aqui.

Vou-me pôr a andar que começam a olhar para mim de lado.

domingo, março 21, 2004

 
Cobras-bebé

O resto do dia foi um bom antidoto para a deprimente sequência de acontecimentos que marcou a manhã. Comecei o serão em casa do Thibaut, levei a minha colecção e fizemos uma viagem sonica de algumas horas. O melhor estava guardado para o fim, quando a seguir a comermos e ao Matthieu ter chegado, o Thibaut fez sair o "Baby Snakes" do Frank Zappa (não o disco, o filme).

Que maravilha! Que deleite! O filme deixa de ser um fime, é uma maquina do tempo que me leva de volta para onde eu nunca estive. "De volta" porque parece que na verdade é desse sitio que venho, "onde" porque no ultimo mês alimentei esse sentimento de pertença com tudo o que era som dos anos 70 (mais Pink Floyd, King Crimson e o proprio FZ; menos Bee Gees e KC & the Sunshine Band, não que tenha alguma coisa contra), tanto que perto do fim da minha estadia aqui penso ter criado no meu quarto esse lugar.

Parece-me inconcebivel que apenas a um mês de completar 24 anos tenha a minha pessoa descoberto ainda mais um filme (leia-se "coisa") que lhe fazia tanta falta, mais uma lacuna na minha experiência pelo facto de reunir tantas coisas que vi, que vejo e que ainda quero ver mas que tardou tanto a revelar-se.

As cobras-bebé fazem-me corar de vergonha por tudo isso, por me fazerem relembrar aquilo que fui e aquilo que não sou, por me confrontarem com a minha imagem final de alguém que nem sequer consegue sentir o prazer de aprender porque tem vergonha do que não sabe.

Tudo isto é dito agora, reflectindo, sabendo que estou apenas irritado por não conseguir descrever o filme como quero (a plasticina, o castelo com a masmorra-discoteca, o triplo erro de Deus na forma do homem, da mulher e do caniche, a alusão à retrete, a boneca insuflavel, tudo isto e para além de duas horas do mais acido som) mas sei bem que isso deixou de ser "eu", que quero de novo aprender, e que quem sabe algum dia consiga encontrar as palavras para descrever o que aprendi.

Quando saio de casa do Thibaut levo aquele sentimento daqueles serões em que se mete uma palhinha na cabeça um do outro e chupamos tudo o que podemos. Apesar de ele me lembrar bastante de mim agrada-me o facto de discordar quase sempre das suas opiniões. Agrada-me também o facto de guardar isso para mim. Intriga-me o facto de não ter guardado nada disto para mim e de o estar a pôr na Rede.

O resto da noite foi passado em casa do Jacko, como de costume, desta vez a televisão estava desligada, o volume da musica estava baixo e discutimos bastante sobre os factos e sobre as pessoas. Soube bem mas não sei se o devia ter feito. Hoje começa a Primavera, os franceses vão votar e eu ainda não comi.




sexta-feira, março 19, 2004

 
De ontem e de um bocado de hoje

Ortigão telefonou-me ontem mesmo quando estava a meter a chave à porta. Minutos antes tinha tido uma premonição onde me via a sair do Grego sem pagar, com o pacote numa mão e o dinheiro na outra. "A gorda vai olhar para mim, vai pôr o pacote à minha frente e vai-me dizer: adeus senhor, tenha um bom dia". Foi tudo tão simples como estar cansado de ter a mão estendida para lhe pagar e metê-la discretamente no bolso. Ela também não se cansou.
E como os poetas-ladrões têm sempre a punição que merecem, a minha dose quotidiana de justiça poética não se fez esperar. Esperava o Ortigão em frente ao Pompidou, sentado no chão como o resto da escumalha; ela apareceu com uns livrinhos que eram tudo o que precisava para matar o tempo. Entre o Poe, o Rimbaud e a jovem promessa da literatura francesa que ela anunciava na sua colecção (editora "independente") encontrei o "Faxelange" do Sade que eu nunca tinha lido. Os livros eram engraçados, uma ediçõezinhas bastante finas mas com umas duvidosas capas a cores. Talvez tenha sido por isso que o pombo lhe esguichou em cima logo à quinta pagina (numa incrivel razia à minha cabeça, posso dizer que o senti a voar bem perto da minha franja). Ainda dizem que os pombos estão mal nutridos... Ortigão apareceu, rimo-nos disso, fomos passear pelas ruas do 3ème (encontrei um café impecavel com imensas fotografias de actores a decorar e um balcão lindissimo). A cidade estava quente e na mesma.

Hoje é um dia negro, negro, negro.

quinta-feira, março 18, 2004

 
Da manhã (de manhã)

Porque eram nove e quarenta e três da manhã,
porque na verdade ainda eram oito e quarenta e três da manhã,
porque o dia tinha acabado de acabar (como todas as quintas-feiras),
porque ontem até foi um bom dia,
porque a bibliotecaria-carcereira bizarra, alta, esqualida e loura seguia cada movimento nas minhas costas,
porque me apeteceu fazer algo ainda mais ultrajante para ela do que estar com uma duzia de downloads activos,
porque o som frenético das teclas servia perfeitamente às minhas aspirações,
porque queria saber se ainda consigo escrever duas linhas de seguida,
porque fazê-lo sem os acentos todos no teclado tem muito mais piada,
porque "os meus amigos" também o fazem,
porque "toda a gente" anda a fazê-lo,
porque nem todas as manhãs cheiram a napalm.

até logo ou até amanhã (se não nos virmos antes)

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