terça-feira, outubro 24, 2006

 
Continuei, da minha posição, a olhar para eles. O grupo acercou-se de Rum, descrevendo uma meia-lua à medida que se sentavam. Já tudo ficara varrido, esquecendo-se com o que se aprendera naquele dia; e um dia tão pequeno, no fundo: eles a chegarem em grupos de doze, cada um trazido pelo seu capataz, a dizerem-lhes do lado de lá, antes de entrarem no barco, que aquilo era provisório, que ao princípio eram só seis horas, mas que depois os deixavam lá ficar pelo menos metade do dia, só que não eram estas as horas que eles queriam, e via-se a força de trabalho a diminuir de turno para turno. Tiraram os bancos do sítio, tossiram, todos, e passaram à segunda fase, a de partir raminhos para fertilizar a zona branca.
O ritmo intensificava na estufa, porque a patroa chegara mais cedo e ninguém queria dar ar de quem estava parado.
Comecei a suar por baixo da camisola que trocara, sentindo um calor agradável a formar-se em gotículas. Amanhã já seria mais calmo, não só porque era o 14 do mês, mas também por não ser um dia ímpar, em que a patroa normalmente não aparecia, ou então vinha de fato cinzento. Eu gostei do meu horário nesse dia, pude acordar mais cedo para experimentar outro caminho, e rever tudo na véspera com os óculos.
Vi a patroa avançar pelo jardim, em passo amarrecado mas decidido, com sinais de calvície recente a evidenciar alguns maus-tratos da noite. Entrava e saía freneticamente da caserna transparente, onde se encontravam dois grupos de novatos que preparavam a aditivação da água, berrando ordens com os seus olhos encovados na cabeça brilhante. A patroa chegara.
Peguei na minha mangueira e segui os outros até ao campo das salsas, imitando-os até no hábito imbecil, a que Rum os habituara, de misturar palavras estrangeiras com as nossas para me referir às plantas e ferramentas.

sexta-feira, outubro 13, 2006

 
Aclarei a voz e isso fez-me pensar no meu pai.
«O que achas?»
«É a casa?»
«Será. Mas isso, só nós é que sabemos.»
«Então?»
«Parece fria.»
«Quero uma opinião séria.»
Empenhei-me nesse momento de descanso, acendi um cigarro, chamuscando os pêlos do braço por causa do vento, e pensei um bocado sobre a casa, o domingo em que cheguei, a estufa, se o muro de cedros iria crescer como se esperava, se resistiria...
Sentei-me junto da fonte e enchi um copo de água fresca, sentindo o meu hálito a regressar igual entre cada golada. Arregacei as calças para poder tirar os sapatos e pôr as meias a secar. O gémeo branco falava com Rum e o seu grupo perto dos cedros, dando as últimas instruções.

sexta-feira, outubro 06, 2006

 
No banco ao meu lado descansava o misterioso gémeo branco, alheio ao ruído dos mecanismos de ventilação que disparavam, escorregando da sua posição até se entalar no assento e conseguir fechar os olhos. Sempre da mesma maneira. Foi-me dito quando cheguei à estufa que, se quisesse realmente ser um bom jardineiro, deveria seguir cada passo do gémeo, atentar a cada regar, a cada golpe da sua tesoura, tratar que as suas botas e calças estivessem sempre secas, comer como ele comia, imitar as horas a que entrava, a que saía, mas nunca a maneira de dormir, que isso era só seu.

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