quarta-feira, abril 30, 2008

 
Acordei com os dois relógios que piscavam, um na minha mão porque tinha chegado a hora, o outro a soluçar na mesinha por causa dos relâmpagos. Soprei de alívio. Abri os olhos para o quarto ainda às manchas e desviei os dois copos no tapete ao lado da cama, impensadamente, sentindo um calor de fome a crescer-me no ventre. «Tenho sede». Sacudi o jornal, que a Sra. Colher já me trouxera da garagem, de onde saltou imediatamente a voz de um repórter que noticiava o encerramento de um velho cinema, o que estranhei porque era cada vez mais raro não aparecer a imagem do enviado num aparato de fios. Sem som, dois rapazes cabeludos dançavam à porta, um batendo num tambor e o outro a abrir a boca ao ritmo.
Não vi Bel no corredor, nem dormira no quarto a meu lado, pelo que pensei que já estivesse na casa de banho, esperando que eu me sentasse para vir tocar nas minhas pernas. Tinham crescido durante a noite. O espelho estava bom, nada sofrera com a tempestade, e liguei-o para ver se as podia pentear antes de ir para estufa. Já vestido, pus o casaco e olhei escusadamente para o frigorífico ao sair.
Custava a equilibrar-me com aqueles sapatos compridos. Saí pela porta da garagem, desviando-me de uma garrafa de vidro que saltara para o empedrado da frente. O céu ainda estava esverdeado, nas primeiras horas, e eu esperava pelo barco que chegou logo, encostado ao portão. Fiquei de pé. Onze minutos, ainda não disse uma palavra. Já no carro-castanho, uma figura que me fez lembrar Rum falava com outra mulher sentada num dos bancos.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?