terça-feira, junho 20, 2006

 
Olhei para o malão de viagem que me acompanhara durante o tempo passado dentro da casa, estacionado resignadamente por detrás dos espelhos do roupeiro.
Num instante, esqueci-me do momento, da parede, do segundo espelho frio, da minha mão pequena na madeira lisa a não saber para onde devia empurrá-la, como se estivesse novamente a abrir a porta do frigorífico e a imensidão da casa me esmagasse pela primeira vez. Fiquei de pé, à espera que algo acontecesse. Sentia a vida a deslizar por cada frincha, a soprar para fora do rectângulo e a eriçar cada poro da minha casca. Abri e fechei vigorosamente os braços, querendo ouvir o toque da campainha, decidir se queria levantar voo ou se apenas batia as asas porque estava assustado; e então recordei as palavras sábias do pelicano de Victor: «Mas eles são místicos,» perguntara-lhe eu, «tu gostas de místicos?». «Não, mas gosto de templos, e de azedo, e de algumas mães.»
Do fundo do malão, um par de olhos alaranjados fitou-me como se tivesse acabado de acordar. O focinho de Bel despontou no meio do seu cobertor peludo.
— Não acredito, Bel! Já não temos tabaco?

 
Não acredito...

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